terça-feira, 8 de outubro de 2013

Reposicionar

A novilíngua orwelliana do Governo não cessa de surpreender na capacidade de manobrar a língua portuguesa para criar conceitos estéreis de substância que disfarcem – em declarações propositadamente redondas – o conteúdo das suas intenções ou os resultados das suas acções.

Quando o Primeiro Ministro apela a um “reposicionamento das expectativas dos portugueses”, aquilo que ele está a querer dizer é que não só este povo andou a viver acima das suas possibilidades como – teimoso! – ousa agora também expectar acima do que lhe é permitido. Ou seja, retira a culpa dos sobressaltos sociais da acção do Governo e coloca-a na reacção do cidadão. Imagino que seja lógico. Algures.

Como a execução do Orçamento do Estado para 2014 pode gerar “um novo choque de expectativas”, urge reposicionar ambições. Porque, claro!, o importante é a gestão de expectativas. Não vivemos um problema de políticas: vivemos um problema de mensagem. Ou, mais simples ainda, aquilo que realmente nos afecta é um problema de percepção dessa mensagem.

Não é preciso fazer uma investigação aprofundada à estratégia (?) comunicacional do Governo ao longo destes dois anos para perceber que o fenómeno da novilíngua se aprimorou no passado recente. Onde antes havia bombos, hoje há violinos. Mas como a fanfarra é a mesma, a coisa acaba tão mal tocada que fica longe de atenuar o ruído. Pior, acaba por acentuar o lado risível da coisa: porque à graciosidade paquidérmica do vocabulário em si acresce o facto, não despiciendo, de a realidade teimar em não encaixar neste dicionário.

2 comentários:

  1. Faz lembrar aquela do "vivemos acima das nossas possibilidades" vs. "execução orçamental correu mal porque portugueses estão a consumir menos".

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