Já nem falo do facto de o governo ir colocar uma condição de
recursos numa pensão do regime contributivo – há quem defenda que se deve
discutir se faz sentido sê-lo. E eu até concordo com essa discussão, desde que
atrelado a isso existisse uma redução das contribuições na mesma medida -, mas
porque raio andou o governo a desenhar uma condição de recursos que afinal é
apenas um corte nas pensões de sobrevivência no caso de quem acumule com outra
pensão?
Por partes.
Primeiro. O governo decidiu fazer um corte progressivo nas
pensões de sobrevivência para quem tenha rendimentos acumulados superiores a
dois mil euros com duas ou mais pensões. Para avaliar a justiça social desta
medida é preciso ter em conta que: no caso das pensões da Segurança Social, há
uma grande probabilidade de estes viúvos já terem em cima a Contribuição
Especial de Solidariedade; e no caso das da Caixa Geral de Aposentações podem acumular além deste corte, a CES e ainda o corte resultante da convergência dos regimes público e privado de
pensões (que ditará um corte na ordem dos 10% se passar no Tribunal
Constitucional).
Segundo. Porque deixa o governo de fora os viúvos e as
viúvas com outro tipo de rendimentos? Porque vá lá, uma viúva com dois mil
euros de pensões (sem outros rendimentos) não é rica. Não vive mal, é certo,
mas não é rica. Desde quando começámos a pensar por baixo? Desde que começámos todos
a ser a geração quinhenteurista e, para os mais sortudos, a mileurista? Não
desviando do assunto: porque preferiu deixar de fora os rendimentos de capital,
de salários e outros? Porque preferiu o governo fazer este corte nas pensões
das viúvas (são sobretudo mulheres a receber esta pensão) que são
pensionistas e não em quem está no activo, ainda com anos de trabalho pela
frente, que lhe possam proporcionar o mesmo nível de rendimentos?
Para quem não sabe, uma mulher com menos de 35 anos, que
esteja casada com um pensionista que morra, tem direito à pensão de sobrevivência
durante cinco anos. Com 35 anos ou mais, tem direito à pensão até morrer. Não
era mais justo ir buscar a estes beneficiários do que a quem está no fim da
vida? Ok, se calhar é uma questão de euros e de rapidez. Então façam um favor:
não tentem passar esta medida como sendo da maior justiça social.
Resposta do vice-primeiro-ministro: “Para futuro” pensaremos
numa forma de justiça social para abranger estes casos. Porque não agora?
Porque a medida foi desenhada à pressa? Parece-me que sim. Por agora, o corte
médio para estes pensionistas será de 4 mil euros/ano, qualquer coisa como 285
euros por mês (assumindo que ainda têm 14 meses de rendimento que não têm).
Há cortes e cortes e este até nem é o pior de todos. Mas o
que me irrita mesmo é esta necessidade de só discutirmos cortes. Se eu acho que
neste contexto até é justo pedir a quem tem mais (assumindo que quem ganha dois
mil euros pertence a esse lote), também me chateia esta coisa de só discutirmos
a redução do Estado social e não o seu alargamento. Muitos dos avós que recebem
pensões e conseguem alguma liquidez extra ao final do mês ajudam os filhos e os
netos. Esta transferência entre gerações é importante também para manter a
economia equilibrada. Não me parece que retirar estes cem milhões tenha grande
impacto, mas cem milhões, mais 3,5% de CES, mais 10% de convergência…
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